Erasmus em Paris, para quem quer vir

Ultimamente tenho recebido muitos emails e mensagens de colegas meus a perguntarem-me como é fazer Erasmus em Paris. Por essa razão, escolhi escrever aqui um texto para que seja mais fácil de partilhar a informação.

Para introduzir a questão do Erasmus em Paris vou começar por contar uma pequena história sobre Sócrates. Não é por vaidade que o faço, mas simplesmente porque acho que é realmente um bom exemplo sobre o que devemos esperar de uma cidade e também porque, afinal de contas, isto é o meu blog.
A pequena história que vou contar já a soube em maior detalhe. Mas neste momento não tenho o livro onde a li pela primeira vez e, por isso, vou contar apenas aquilo que me ficou na memória. Talvez isso seja afinal o mais importante.


Ora estava o sábio Sócrates às portas de Atenas quando um indivíduo estrangeiro se aproximou dele e perguntou-lhe:
- Bom dia. Saí da minha cidade e ouvi dizer que Atenas era uma boa cidade para se viver. É verdade?
Sócrates olhou para o estrangeiro desconhecido que vinha de uma outra cidade grega e perguntou-lhe:
- Diz-me antes: como era a vida na tua cidade?
- Era péssima! Da cidade onde venho não existe sentido de justiça, todas as pessoas são más, mesquinhas e invejosas, a cidade é feia e sem interesse. É uma cidade onde reinam os conflitos e a guerra. Por isso é que quis de lá sair: porque é uma cidade onde não conseguimos encontrar nada que seja bom. Diz-me: Atenas é uma cidade melhor?
- Lamento desiludir-te meu caro. Mas aqui em Atenas encontrarás as mesmas coisas que na tua cidade.
E com esta resposta o estrangeiro, desiludido, continuou o seu caminho à procura de outra cidade. Passado algum tempo, outro estrangeiro que vinha também de outra cidade grega chegou às portas de Atenas e ao ver o sábio Sócrates perguntou-lhe:
- Bom dia. Saí da minha cidade e ouvi dizer que Atenas era uma boa cidade para se viver. É verdade?
Sócrates olhou para o estrangeiro desconhecido e perguntou-lhe:
- Diz-me antes: como era a vida na tua cidade?
- Ah! A minha cidade era óptima! Uma bela cidade, encantadora, com pessoas justas e simpáticas. Uma cidade onde reina a paz e a harmonia entre as pessoas. Nem tudo é perfeito é certo, mas vive-se bem naquela cidade. Diz-me então, como é Atenas?
Ao que Sócrates respondeu:
- Então Atenas é uma bela cidade para ti. Entra e descobre por ti próprio que aqui encontrarás o que tu procuras.


Este ensinamento de Sócrates é de uma inteligência extrema. No fundo, a beleza de uma cidade depende de nós. É da forma como vemos o mundo que nos chega a satisfação ou insatisfação perante as coisas. É da nossa alma que nasce a beleza do mundo e do nosso bem-estar. Uma pessoa que se habituou toda a vida a ver apenas os pontos negativos de uma cidade não irá deixar de vê-los noutra. Em contrapartida, uma pessoa que se habituou toda a sua vida a apreciar os pontos positivos de uma cidade irá fazer o mesmo quando chegar a outra. Porque é o lado positivo das coisas que guia a sua vida, e não o contrário.
Posto isto. A primeira resposta quanto ao Erasmus em Paris é a seguinte: o interesse que Paris pode ter para vocês depende única e exclusivamente de vocês. Depende de como vocês vivem a vossa própria cidade e depois do quanto admiram a cultura francesa, se amam a língua francesa e se desejam realmente se fundir no espírito desta cidade.
Paris enquanto cidade é uma cidade completa. É uma cidade que tem tudo para oferecer. Se há alguma coisa no mundo, essa coisa também existe em Paris. É uma cidade fluvial, com o seu próprio rio, o Sena, que é atravessado por mais de 30 pontes. Não é meu interesse fazer aqui de guia turístico mas o rio acrescenta muito à cidade. Eu costumo dizer que uma cidade com um rio é uma cidade onde nos vemos fluir no tempo. Essa é a uma das razões pelas quais gostamos de estar à beira rio. E o rio Sena não constitui excepção à regra: é muito habitual se fazerem piqueniques um pouco por toda a parte em Paris mas as margens do rio constituem talvez o lugar mais emblemático (sobretudo à noite).
Paris é conhecida por ser a cidade das luzes. Mas eu prefiro dizer que Paris é a cidade luz das artes. A maioria dos grandes artistas já passaram por esta cidade e, uns mais que outros, deixaram-se influenciar pela luz desta cidade. A luz sempre foi tida como sinónimo de sabedoria, de clarividência. E de facto, é precisamente no momento em que o sol se puxa para lá do horizonte e que as luzes suportam o corpo da cidade que somos realmente capazes de apreciar a verdadeira beleza de Paris.
Em termos práticos, a vida de um estudante de medicina em Paris não é fácil. Aqui trabalha-se. E estuda-se. Sim, porque aqui há essas duas diferenças. Os alunos de medicina aqui são vistos como trabalhadores e como tal recebem um ordenado mensal à volta dos 200 euros. Ora não há dinheiro sem trabalho. E dependo do serviço, assim será maior ou menor o trabalho… O estudo aqui também é puxado porque é tudo em francês e porque os exames são escritos. Os exames consistem num caso clínico sobre a matéria da disciplina, no qual é preciso saber todos os pormenores (ou pelo menos os mais importantes) sobre a patologia em questão. No fundo, os exames aqui perguntam aquilo que é suposto nós sabermos fazer quando nos aparece um doente com um determinado quadro clínico; que exames pedir; interpretar resultados; diagnóstico, tratamento e seguimento do doente pós-hospitalização (quando assim é o caso). Os exames são difíceis porque são escritos e porque são um pouco diferentes do que estamos habituados a fazer. Mas não há nada que uma boa preparação não seja capaz de resolver. Há montes de livros com exames tipo, com respostas tipo. Por isso, quando chegamos aos exames estamos bem certos do tipo de coisas que nos podem perguntar. Podemos é não nos lembrar bem de como resolver o caso…
Em contrapartida, Erasmus é Erasmus. E isto quer dizer que apesar de Paris não ser só um lugar onde se possa fazer borga todos os dias, é seguramente um lugar onde não faltarão boas oportunidades para se divertir e conhecer pessoas interessantes. Aliás, apesar de achar que aqui tenho mais trabalho que em Portugal, sempre consigo arranjar tempo para ir às festas importantes. Aliás, há dias que nem preciso de sair de casa para ir às festas. Isto porque na Maison du Portugal organizam-se frequentemente festas e basta-me descer as escadas para entrar na festa. E depois, como já disse, Paris não se esgota em festas. Há todo um panorama cultural para ser explorado aqui, com calma.
            Quanto às faculdades… Paris 5 é claramente a melhor. Não digo isto por ser aquela em que estou mas sim por ser aquela que tem a melhor cotação em França e, também, porque é aquela que faz uma excelente, excelente mesmo, integração aos seus alunos de Erasmus. Há sempre muita actividade cultural e social a acontecer nesta faculdade.
Agora coisas importantes:
Fazer pediatria por estágio! Aqui a cadeira de pediatria é um mundo enorme e eu que vou fazê-la por exame já me arrependi de não ter arranjado um estágio como equivalência. É, de facto, uma das cadeiras mais difíceis que eles têm por cá.
O ensino deles aqui funciona por pólos e módulos. E os alunos aqui fazem normalmente um estágio hospitalar enquadrado na matéria do pólo no qual eles vão fazer um exame teórico. Ora, nós, normalmente fazemos os estágios para nos “livrarmos” dos exames teóricos. O que implica que ao estarmos a fazer um determinado estágio somos forçosamente obrigados a estudar para as coisas deste estágio, ao mesmo tempo que também temos que estudar coisas completamente diferentes para os nossos exames teóricos. Por isso ao delinearem o vosso plano de equivalências, tentem fazer o máximo de disciplinas por estágios porque o ideal é fazer um estágio hospital (ou mais) e o exame de um pólo por um trimestre. Mais do que isso já pode ser muito sobrecarregado/quase impossível.
Viver na Cité Internationale significa ter a oportunidade de ir a vários eventos culturais nas mais diversas residências: desde a sessões de jazz, a concertos de música clássica, até às festas mais estudantis. E para não falar das idas ao teatro, gratuitas, que nos são por vezes possíveis de ganhar. O único problema de viver na Cité Internationale é que para sair à noite não é propriamente o melhor sitio para habitar quando queremos voltar a casa. O metro fecha relativamente cedo e depois não há transportes directos para a Cité Internationale. Mas tirando isso, é perfeito.
O custo de vida cá é elevado. O budget mensal rondam os 800 euros. 509 euros para a residência e depois o resto para a alimentação, saídas, etc.  No entanto recebemos várias ajudas financeiras: 200 euros de ordenado do hospital, entre 90 a 160 euros da CAF, e ainda a bolsa de Erasmus.
Ninguém vive Paris em três meses. Ou se vive, sente pena de não ficar cá mais tempo. Por isso, para quem não quer deixar remorsos a correr no rio Sena por não poder ficar cá mais tempo, é melhor tomar logo a decisão de ficar cá um ano. É que no fundo, como aqui se trabalha bastante, é preciso dar tempo ao tempo para ir conhecendo a cidade e o nosso lugar nela.

Comentários

  1. O melhor da vida é não saber-mos nada.. Não saber para onde vamos, não saber o que é e o que vai ser... Isso tudo descobre-se vivendo!


    http://ser-d-ela.blogspot.com/

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  2. Olá! Vou para erasmus em setembro e gostava de saber como arranjaste residência! Obrigada

    Beatriz

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