Ao meu irmão

Nunca me canso de dizer que no meu irmão encontro a outra metade de mim mesmo. A outra metade que eu poderia ser e caso fosse nada mais haveria a acrescentar a mim próprio. Como dois relógios de igual valor assinalando a mesma hora mas que no entanto diferem entre si na sua personalidade. O que escolhemos num relógio não são as horas que assinalam porque essas somos nós que as ditamos em primeiro lugar. Depois, é da própria natureza do relógio a de acompanhar o tempo. O que procuramos realmente num relógio é a sua personalidade que, por seu turno, tende a reflectir a personalidade de quem o escolhe. E se eu procurasse um relógio e visse estes dois relógios (eu próprio e o meu irmão) levaria os dois para usar cada um num punho diferente. Não quer isto dizer que somos os dois melhores relógios que podem haver. Longe disso. Somos apenas os dois relógios mais complementares que existem entre si. E é nessa base de complementaridade que nasce uma admiração mútua que tem sido alimentada ao longo dos anos e que continua. Escrevo hoje este texto porque ontem estava na minha casa em Lisboa e me dei conta de um caderno de dedicatórias escrito por grande parte dos amigos e colegas do meu irmão e que lhe foi oferecido quando ele fez 22 anos. Nesse momento, voltei a ler a dedicatória que lhe escrevi e relembrei-me de outra também mais antiga. O que deixo aqui não é uma prova da nossa amizade porque não é um texto que serve de prova em tal caso. O que deixo aqui é apenas um indício da base que sustenta a nossa amizade, cumplicidade, respeito e admiração mútua.



Dedicatória escrita na altura em que o meu irmão jogava futebol no Barreirense como avançado e que andava a sofrer uma série de lesões que o impediam de jogar.

Sexta-feira 28 De Janeiro 2005

Era vê-lo imune ao mundo que o fez, seguro de si num campo que o ergueu, era vê-lo brilhar num céu sem lugar para outra estrela senão a sua. Vejo-o agora não menos digno de brilhar mas ofuscado pelos eclipses que em si se abatem. Vejo-o ainda interrogar-se se aquilo que o sonho lhe diz é também ele digno de ser ouvido. Vejo-o abalado, sentido pelo coração que o toca. Vejo-o sozinho num mundo que não pertence a este, encurralado por imagens de glória que o fazem chorar e esquecido pelo Sonho que o fez sonhar. Mas vejo-lhe ainda em si uma réstea de esperança, um grito que surge do silêncio e no silêncio se cala, uma chama que nasce do gelo e no gelo se apaga, uma eterna vontade de voltar a sentir o fogo ardente da glória que o fez nascer. E é nessa réstea de esperança que eu lhe digo para viver, pois para nada mais vale o Homem senão para vencer aquele que o impede de sonhar.

Assim eu escrevo sobre aquele cuja vida faz a minha: o meu irmão.


Dedicatória escrita pelos 22 anos do meu irmão, 26 de Maio de 2008


O que é feito da escada por onde tu subiste, degrau após degrau, num compasso de ritmos alternados, ora rápido, ora lento, nunca quieto e se porventura te falhava o passo num degrau mais íngreme logo procuravas outro, mais alto ainda, para seguires vitorioso na tua épica subida. Gostava de saber que escada foi essa cuja subida te levou onde estás hoje: naquele patamar mais alto onde os sonhos estão a só mais um passo de se cumprirem. Tantas escadas existem na vida. Como saber qual delas a mais certa de subir? Sabendo que essa escolha é tão temerosa quanto encoberta, assim te valorizo o instinto... Mas tão pequeno se fica o teu instinto quando comparado com a tua coragem de subir, num compasso de ritmos alternados, por essa incerta escada. Decidir poderá não ser fácil mas ambos sabemos que a glória não se encontra naqueles que apenas sabem decidir. A glória encontra-se naqueles que, pensando mil vezes em desistir, encontraram no sonho, na esperança, a força necessária para vencer.



Comentários

  1. É bom saber que ainda há pessoas neste Mundo que se adoram e respeitam =)

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  2. "Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?"
    Fernando Pessoa

    O que aqui está escrito é de facto uma grande prova da admiração pelo teu irmão. Por vezes é difícil dizer o que sentimos às pessoas que mais amamos e a razão de anteriormente ter escrito uma frase de Fernando Pessoa tem um objectivo. A verdade é que é necessário "agir" para vocês serem o que são hoje: a complementaridade.

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  3. São poucas as pessoas que respeitam assim os outros. O teu irmão tem muita sorte em ter-te a ti como irmão.

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  4. Manu gostei muito desta tua dedicatória. Fico muio contente por respeitares dessa forma o teu irmão, mas nada que me admire, vindo de uma pessoa como tu. Aquele abraço irmão!!!!

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