O primeiro instinto do homem é pensar



Pé ante pé, passo a passo, assim caminhamos. E há mil caminhos a seguir, mil passos para dar e apenas dois pés com que andar. O direito e o esquerdo. É do equilíbrio concertado entre o pé direito e o esquerdo que andamos em frente. Mas não é da nossa natureza andar sempre em frente, pois não é da nossa natureza andar sempre em equilíbrio. Resulta daqui a manifestação de que o nosso caminho é sinuosamente instintivo.
  
No fundo, a racionalidade do homem resulta do facto do seu primeiro instinto ser pensar. Se o homem não tivesse esse instinto, não pensava. Senão como explicar a existência do pensar? Os instintos, por definição, são aqueles cuja existência contribuem para a sobrevivência e manutenção da espécie. Este instinto infiltrou-se no homem num dado momento da sua evolução. A partir desse momento, o homem para sobreviver e existir foi condenado a pensar. Reparem que ninguém consegue evitar um instinto, embora o possa controlar. Ninguém consegue evitar a fome, a sede, o sono, o desejo sexual. Mas podemos controlá-los. O mesmo sucede com o instinto de pensar, que tal como os outros, tanto pode ser uma fonte de prazer quanto de sofrimento. No entanto, parece ser o instinto mais difícil de controlar. É muito difícil não pensar. Até a sonhar pensamos. É bem famosa a frase de Descartes: “Penso, logo existo”. E ao dizer isto quase que somos obrigados a aceitar que não pensar significa em última instância, para o homem, o mesmo que estar morto. Ou seja, estamos instintivamente condenados a colar a nossa existência ao nosso pensamento. Existir significa pensar que existimos, tornar isso real dentro de nós próprios. A existência do homem constrói-se a partir da construção da imagem do pensamento de si próprio. Aquele que se perdeu do seu próprio pensamento é, no fundo, aquele que se perdeu da sua própria vida, da sua existência.

A criança é feliz porque não precisa do instinto de pensar para agir. E assim vemos que muito do que uma criança faz não é realmente pensado nem reflectido. Na verdade, a criança primeiro faz e só depois é que toma conhecimento sobre aquilo que fez, como se o pensamento andasse atrás da acção. O pensamento constrói-se, pois, no próprio agir e fazer da criança. Uma criança deixa de ser criança no dia em que o instinto de pensar passa a prevalecer sobre todos os outros.
  
Fernando Pessoa sofria terrivelmente desse instinto de pensar do homem. Na verdade, em Pessoa reuniam-se vários instintos de pensar de várias pessoas diferentes. Daí o seu enorme sofrimento. É muito difícil saciar um pensamento, um instinto. Quanto mais mil pensamentos, mil instintos.

Comentários

  1. Oi. Parabéns! Achei muito bom seu texto...

    Concordo que "o homem para sobreviver e existir foi condenado a pensar", em especial porque outrora quase me sufoquei com pensamentos, mas há algo que me chama a atenção, embora nós humanos sejamos todos seres pensantes, é interessante como convivemos de formas bastante diferentes com nossos pensamentos e enquanto para alguns pensar os remete á analises profundas , tal como fora com tantos escritores e como acontece com você agora, para outros, os pensamentos perecem passam despercebidos, como mero ato de existência...

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  2. adoro a forma como escreves.. fiquei estupefacta!! ass: nadia b.

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