A chama de uma vela e a nossa alma

A noite cresce no silêncio profundo do meu quarto. Só uma vela dá luz ao que não vejo e no oxigénio que ela consome está a respiração da minha vida. Quando olho para esta vela acesa, não consigo deixar de me admirar sobre o quanto ela se assemelha a mim. 

A chama de uma vela tem algo de misterioso, como a nossa alma. Não consigo perceber qual é a consistência de uma chama. Não a consigo tocar, mas sinto-a. Dela nasce uma pequena luz, mas a chama por si só não parece ser só luz, porque a luz é aquilo que vemos se afastar dela. A luz é só o primeiro sinal da sua presença. 

O mistério que une a chama à alma, é a semelhança da sua consistência, da sua leveza e, ao mesmo tempo, como ambas se prendem a um ponto fixo para assinalarem o curso da sua existência. É engraçado que quando olho para esta vela acesa, tenho a impressão que a chama luta para existir, há um certo esforço no seu leve baloiçar. Mas é um esforço que dá prazer, pois ao vê-la agitar-se no silêncio da noite há qualquer coisa nela de familiar e reconfortante. É como se no seu arder entrevíssemos a nossa própria existência. 

E depois basta um sopro, um simples sopro, para que tanto a chama como a alma mudem de lugar. E é curioso como a origem etimológica da palavra alma provém justamente de "sopro". Ao analisarmos as coisas dessa forma, se a palavra alma nasceu da imagem de um sopro, talvez ao soprarmos para uma vela estejamos, lá no fundo, a dar uma nova vida àquela chama. 

Talvez seja essa a razão pela qual se criou o hábito de apagarmos as velas sempre que fazemos anos: como que à espera de uma nova vida.

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