Beber um café na Suíça.

- Bonjour, je voudrais un expresso s'il vous plait.

Assim começa o meu dia num pequeno e simpático café em Delémont. Sentado à janela, vou apreciando o bulício desta pequena urbe situada no coração do Jura enquanto espero pelo meu café. A rue de la Préfecture é bastante movimentada, ainda que o rebuliço maior seja durante a noite quando os jovens inundam os bares à procura de animação. Nisto, vejo uma senhora velhinha que começou o dia a ruminar uma litania de preocupações para si própria. Parece que com o tempo as pessoas perdem o medo de falarem sozinhas. Quando somos jovens vivemos a representar-nos perante a plateia do mundo ao ponto de quase acreditarmos que somos realmente a máscara que usamos na rua. Quando a velhice chega, a plateia vai-se embora e, para muitos, já não faz assim tanto sentido esse trabalho de representação. Ainda assim, a velhinha lá segue o seu caminho enquanto eu acabo de receber o meu tão aguardado café. De todos os vícios que o mundo nos proporciona, este é seguramente um dos melhores: não só pelo prazer que dá como pelo bem que nos faz à saúde. Aqui na Suíça, é costume os empregados deixarem logo a conta em cima da mesa em conjunto com o pedido. Esse é, a meu ver, o sabor amargo da Suíça: em todo o lado nos relembram que para tudo, ou quase  tudo, é preciso dinheiro. Ainda antes de beber o café, já me estão a lembrar que preciso de pagá-lo. Como eu prefiro mil vezes aqueles cafés onde podemos pedir tudo (ou quase tudo) o que nos apetece, saborear pedaço por pedaço quase esquecendo que tudo aquilo tem um preço. Mas aqui não. Aqui começas o dia a pensar que até para começá-lo é preciso dinheiro. Ainda que isso seja verdade, não é menos verdade que passar do sono para a vigília é um processo doloroso e complicado porque nos vemos obrigados a abandonar os sonhos pela realidade. Ainda assim, embora a conta chegue com o café nós não somos obrigados a pagar logo no momento. Podemos, então, beber o café tranquilamente enquanto o nosso olhar divaga entre o bulício da rua e da nossa mente. Confesso que também se obtém um certo prazer ao fazê-los esperar pelo pagamento: eles vêm todos apressados com a conta e nós ignoramos com um sorriso esse fatídico processo de puxar pela carteira e contar os trocos. Portanto, lá estava eu a beber o meu café enquanto uma pequena multidão de pessoas entrou pelo café. Instalou-se, então, o barulho de fundo típico dos diálogos matinais com a percussão característica do bater das chávenas de café, dos copos em cima da mesa, do folhear dos jornais e revistas, do balancear e arrastar das cadeiras, etc. Isto para não falar também da música que se fazia ouvir no interior do café e dos barulhos e ruídos das pessoas e dos carros a passarem na rua. O que é certo, é que ao fim de algum tempo de divagações do espírito, eis que decidi puxar pela carteira e começar a contar os trocos. Na verdade, a minha intenção não era pagar já. Pois eu tinha trazido uns livros para estudar e pretendia pagar apenas quando me fosse embora. A minha intenção era apenas de ver se tinha dinheiro em trocos que chegasse para pagar ou se teria que gastar uma nota. Portanto, não fiz qualquer sinal à empregada de mesa e peguei tranquila e sorrateiramente na carteira, abri-a em cima da mesa e comecei a mexer nas moedas sem pressas. Enquanto tentava desvendar os francos dos euros que tinha na carteira, eis que oiço os passos da empregada de mesa a encaminharem-se na minha direcção. Não pude deixar de sorrir quando a vi à minha frente de olhos fixos na minha carteira, à medida que eu ia puxando das moedas, uma a uma, sobre a mesa.

- Vous écoutez bien le son de la monnaie.

Ela começou-se a rir e respondeu-me que ela  distinguia bem o som dos trocos porque não tinha nada para fazer.

Os suíços quando não têm nada para fazer, entretém-se a distinguir o som das moedas dos demais sons que constituem o nosso quotidiano. Nós, em contrapartida, quando não temos nada para fazer entretemo-nos a esquecer o som do dinheiro que gastamos ou que não temos.

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