A crise é um sinónimo de desassossego

Portugal sofre, a meu ver, de uma doença crónica que agora se agudizou. Comparo este País a um doente diabético que, sabendo-se em risco para uma multiplicidade de problemas associados à sua doença, ignora por completo as restrições que deve executar no seu comportamento alimentar e deixa-se levar única e exclusivamente pela sua gula. Assim, mais tarde ou mais cedo, os problemas surgem. Neste caso, o problema mais marcante, actualmente, é o problema económico. Mas esse não é, seguramente, o único. A par com a crise económica, está em curso uma crise política que estará longe de ser resolvida, mesmo após as eleições, caso não seja eleito um governo com maioria absoluta. Uma maioria absoluta não significa maior competência governamental. Significa apenas ter o poder para decidir. No entanto, em certos momentos, decidir é tudo quanto é preciso. Quando uma onda se aproxima de nós, temos até um certo momento para decidir se tentamos fugir dela ou se tentamos nadar nela. Não decidir significa perder a oportunidade de decidir. E aí, as força das nossas acções são apenas aquelas que a maré nos permite. A crise política agrava o poder de decisão, visto que atrasa o seu timing. Enquanto se luta por votos nada se decide pelo país.
Os jornais da actualidade debruçam-se diariamente sobre esta crise. A luta pelo poder é, agora, maior que nunca. Todos os partidos querem ter um papel preponderante no tratamento desta doença crónica que afecta Portugal. No entanto, poucos ainda constataram, que fazem mais parte do problema do que da solução. Tal como uma multidão que se abeira de uma pessoa desfalecida no chão e que só necessita de oxigénio para recuperar, por si própria, os sentidos. A multidão representa o absurdo que é tentar, pela ignorância, tratar um problema com a solução contrária àquela que é realmente necessária.
E é justamente neste cenário de dúvidas e incertezas, onde as nuvens cinzentas pairam no ar até ao último rumor de chuva, que me debrucei, não sobre um jornal, mas sobre o Livro do Desassossego do meu, já quase íntimo, Bernardo Soares. E eis que vejo palavras que, apesar de escritas noutro tempo, representam o carácter imutável da natureza das acções humanas. E bem vistas as coisas, entre revolucionários e reformadores, a vida trava em si a maior das revoluções e reformas. Sempre igual a si própria, não cede aos caprichos humanos, e assim, findas as contas, a sua disposição nunca muda. Quem se muda dentro dela somos nós.

Todo o dia, em toda a sua desolação de nuvens leves e mornas, foi ocupado pelas informações de que havia revolução. Estas notícias, falsas ou certas, enchem-me sempre de um desconforto especial, misto de desdém e de náusea física. Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se. A violência, sela qual for, foi sempre para mim uma forma esbugalhada da estupidez humana. Depois, todos os revolucionários são estúpidos, como, em grau menor, porque menos incómodo, o são todos os reformadores.
Revolucionário ou reformador – o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível.
            O homem de sensibilidade justa e recta razão, se se acha preocupado com o mal e a injustiça do mundo, busca naturalmente emendá-la, primeiro, naquilo em que ela mais perto se manifesta; e encontrará isso em seu próprio ser. Levar-lhe-á essa obra toda a vida.
            Tudo para nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós. Aquela justiça íntima pela qual escrevemos uma página fluente e bela, aquela reformação verdadeira, pela qual tornamos viva a nossa sensibilidade morta – essas coisas são a verdade, a nossa verdade, a única verdade. O mais que há no mundo é paisagem, molduras que enquadram sensações nossas, encadernações do que pensamos. E é-o quer seja a paisagem colorida das coisas e dos seres – os campos, as casas, os cartazes e os trajos -, quer seja a paisagem incolor das almas monótonas, subindo um momento à superfície em palavras velhas e gestos gastos, descendo outra vez ao fundo na estupidez fundamental da expressão humana.
            Revolução? Mudança? O que eu quero deveras, com toda a intimidade da minha alma, é que cessem as nuvens átonas que ensaboam cinzentamente o céu; o que eu quero é ver o azul começar a surgir de entre elas, verdade certa e clara porque nada é nem quer.

Comentários

  1. Este desassossego só vai parar, quando acabar a ganância das pessoas que dizem governar este país, quando acabar a estupidez destas pessoas que dão mais oportunidades a quem não pertence aqui e a quem nada faz para evoluir este país. Não sou contra a quem não é daqui,mas sim, a esta estrutura que se acha que temos que dizer sim a tudo e chegar a este ponto, dia após dia um país mais pobre, mais violento, menos justo, enfim este não é o nosso Portugal, onde podíamos respirar e não pensar no dia de amanha. Infelizmente gostamos de ser parvos, porque os senhores que têm a oportunidade de tomar conta de nós, de um país não aproveitam, e se reparem são sempre as mesmas caras que chegam a este ponto e mesmo assim continuamos a votar nessas pessoas (Cavaco Silva e muitos outros) que já enfrentaram outras crises e que não aprendem com os erros, não sabem fazer planos a longo prazo, talvez seja de novo a ganância ou um sofá confortável em casa que não os deixa trabalhar e assim continuam a rir-se de nós. Foi preciso vir de fora um grupo de senhores que em 15 dias acharam todos os erros possíveis que Portugal cometia e que nos deixou neste estado. Dinheiro a mais para as ilhas, salários exorbitantes, administradores de empresas públicas a ganharem mais 10 vezes que o Presidente da República. Mais uma vez a ajuda externa veio em nosso auxilio e mais uma vez com um novo plano. O plano de 83 não estava bem? porque não continuaram a aplicar? Geração rasca não...Políticos Rascos sim....

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