Enquanto chove

Chovia intensamente. As ruas feitas em rios confluíam copiosamente umas nas outras. Nas passadeiras corriam de um lado para o outro, como sombras em movimento, as pessoas. Carregavam no espírito aquela dor aflita de quem não sabe para onde ir mas que, contudo, não pode parar. «Não pares que parar é morrer». Assim iam empurradas pelo frenesim da chuva, no olvido próprio que acompanha o movimento de fuga . Do café, posto ali de gaveto como um cais de onde partem e chegam barcos carregados, entrevia-se uma mulher idosa, esmagada pelo tempo, de rosto pálido e cabelo alvacento, sorvendo em pequenos tragos o seu precioso chá enquanto sentava o seu esqueleto numa cadeira rude e fria, cuja rectidão lhe provocava um assentar finamente doloroso. Chegada àquela idade onde os dias se fazem no caminhar lento das passadas, ela não podia deixar de admirar, a par com a sua solidão, a paisagem citadina que se dispunha em correrias, logo ali, à sua frente. «Também eu já corri, já fugi. Depois aprendi que a dor mantém-se parada, sempre, sobre os mesmos ossos. De que me vale então, agora, o esforço? Aqui ao menos estou segura, tanto da chuva como de mim.»

Comentários

Mensagens populares